Já é 2019 na Austrália

Num ano em que resolvi retomar, ainda que de forma muito leve, o costume de blogar por aqui, achei por bem também retomar um formato de listas de fim de ano que usei em 2014 e muito me agrada: listar apenas o preferido em uma série de categorias diferentes.

Como sempre, a única regra é que não precisa ser algo que foi lançado esse ano, mas que eu tenha consumido pela primeira vez em algum de seus 365 dias. Assim, sem mais delongas, a ela.

Filme: Nanette

Para mim, foi um ano razoavelmente fraco de filmes, o que em nada tira o mérito do especial de stand up da Hannah Gadsby. Claro, do ponto de vista fílmico nada mais é do que uma apresentação filmada. Mas em se tratando do conteúdo, desde a forma como ela vai desmontando e remontando as ferramentas humorísticas até a destreza com que faz uma avalanche de críticas sociais, foi certamente a produção audiovisual que mais tive vontade de recomendar a absolutamente todo mundo durante o ano. Então, nada mais natural para abrir esta lista.

Série: The Good Place

É praticamente como se o Randall Munroe fosse filósofo em vez de físico, e virasse roteirista de TV em vez de desenhar o XKCD. Tão difícil crer que não vá pular o tubarão em algum momento, como que já não tenha pulado lá na primeira temporada. Enquanto não o faz, é humor da mais alta qualidade imaginável (e não me lembro do Ted Danson ser um ator tão fora de série em nenhuma outra coisa que tenha feito na vida).

Canal YouTube: Adam Neely

Para mim, ele está fazendo pelos vídeos de teoria musical no YouTube (uma categoria surpreendentemente vasta) o que o Casey Neistat fez pelos vlogs. Mais do que apresentar uma variedade de assuntos dentro do tema de forma clara e interessante (como os igualmente indispensáveis Rick Beato e 12 Tone), em sua incansável curiosidade ele tem criado uma linguagem única de ensaios em vídeo que acho fantástica.

Música: Stella Blue (by Local Natives)

É uma versão de 2016 para uma música do Grateful Dead de 1973. Parte de um tributo ao Dead, desde que o Spotify me presenteou com ela em algum Discover Weekly, essa música tem frequentado meus fones de ouvido com mais frequência que qualquer outra durante o ano. Inclusive, recomendo muito ouvi-la com ótimos fones de ouvido, repletos de graves mas com clareza nos médios e agudos, para poder apreciar ao máximo o jogo de canais das diferentes camadas de instrumentos no incrível arranjo que fizeram. Infelizmente, do que já ouvi da banda depois disso, não há nada remotamente tão bom no resto da discografia.

Álbum: Love, Loss, and Auto-Tune (by Swamp Dogg)

Ouvi esse disco aos 45 do segundo tempo, novamente graças a um Discover Weekly do Spotify (e olha que eu passei quase o ano inteiro criticando o algoritmo da mesma, porque tenho a impressão de que por uns 10 meses ela ficou tocando apenas indie-folk de diferentes eras, de Simon & Garfunkel a Lumineers). Nunca tinh’ouvido falar nesse “bad boy do R&B”, que na década de 70 ouviu Frank Zappa e resolveu introduzir experimentalismos e psicodelias ao seu som e criou coisas prá lá de incríveis no processo. Esse disco, em especial, tem alguns dos melhores usos de Auto-Tune que já ouvi, além de uma malemolência que muita gente tenta mas poucos conseguem transformar em música.

Quadrinhos: (A ser atualizado – estou longe de casa e preciso conferir minha prateleira para ter certeza do que li esse ano e evitar alguma grande injustiça)

Livro: Sapiens (by Yuval Noah Hariri)
Sim, estou atrasado. Mas, de fato, é um livro excelente. Com a proposta de contar a história da humanidade como espécie, ele acaba se colocando numa posição de distanciamento muito maior do que o de livros de história comuns, deixando os julgamentos sobre lados positivos e negativos dos acontecimentos quase como notas de rodapé, e fazendo um livro pra lá de bom de ler.

Longform: “My father says he’s a ‘targeted individual’. Maybe we all are“. (WIRED)
Illustration from Wired's article
Tentar procurar sentido ou razão em coisas que claramente não as têm, como a doença mental de alguém, raramente gera bons resultados. Mas nesse texto, essa proposta acaba sendo invertida, e as analogias servem não para buscar alguma redenção para um personagem trágico, mas para questionar o quanto não estamos todos agindo como loucos e achando tudo normal. Ainda uma premissa que poderia gerar um texto forçado e idiota, mas que nas mãos de uma excelente repórter (e, tenho certeza, editores igualmente excelentes) acaba sendo só felicidade para ler.

Videogame – Fortnite

Talvez a escolha mais óbvia e sem graça da lista, mas não tinha como fugir. Verdade seja dita, ainda sem ter feito a mudança para a última geração de consoles (sigo com meu leal e valoroso PS3) e com um PC que está nos seus últimos suspiros (lá se vão 10 anos desde sua compra), não joguei tanto quanto gostaria nesse ano. Mas a Epic conseguiu achar um equilíbrio tão bom entre diversão e desafio num estilo de jogo pra lá de complicado de fazer bem, que não é de se espantar que tenha dado tanto dinheiro esse ano.

Cerveja (Brasileira): Vrienden & Cachaça

https://www.instagram.com/trilhacervejaria/

O mais correto talvez fosse citar “melhor cervejaria brasileira” e dar o título para a minha ex-vizinha Trilha. Mas tendo que escolher uma entre todas as delícias deles que tive o prazer de provar nesse ano (e não canso de lembrar que TODAS as cervejas que já tomei deles, e não foram poucas, são no mínimo ótimas), essa RIS em colaboração com a de Molen foi a merecedora da taça. Devia ter feito uma compilação de fotos com o rosto de todas as pessoas que vi prová-la pela primeira vez, e nada mais precisaria ser dito sobre o quão boa é. Aguardado com muita ansiedade pelas maravilhas que sairão do mesmo forno ao longo de 2019, como membro do seu Barrel Club.


Nuvens! Nuvens por todos os lados!

via GIPHY

Bom textão (®SZJINKARIUK, Saulo) no The Verge sobre os recentes processos contra a Epic de pessoas que tiveram suas danças “roubadas” para serem usadas no Fortnite. Por um lado, estou curioso para ver as interpretações jurídicas que daí irão sair. Por outro, confesso que é o tipo de situação que aumenta a pressão sanguínea da minha veia liberal.

Antes mesmo do Fortnite, a Epic já era uma das empresas de jogos mais rica do mundo graças à popularidade do Unreal Engine e a taxa que cobram de quem vende seus jogos baseados no sistema (sem falar em todos seus jogos próprios). Agora, têm tanto dinheiro que podem queimar parte dele para criar a primeira concorrência séria à Steam. Em resumo, têm MUITA grana, e boa parte dessa grana vem do licenciamento de seus produtos e propriedade intelectual.

Agora imaginem se, diante dessa realidade, alguém com o devido poder de decisão pensasse “hmm, como eu vou cobrar por essas danças e ganhar um tsunami de dinheiro com isso, quem sabe eu aproveito para incentivar os criadores e a indústria que me permitiram isso para começo de conversa, e pró-ativamente ofereço uma participação nos lucros para os mesmos?” Razoável, talvez? Questão de decência, até, quem sabe?

“Ah, mas e quem garante que eles iam aceitar o valor oferecido pela empresa? Quem pode provar que foram eles que a criaram? E quem foi que disse que eles têm algum direito sobre uma dancinha? Não esqueçamos que Milton Friedman falou que a única responsabilidade social de uma empresa é aumentar seus lucros” grita a dogmática libertária na primeira fila da sala.

Pois muito bem, ela com certeza tem um ponto. Mas esse ponto tem alguns resultados práticos outros além de potencializar o lucro da Epic num primeiro momento, como vemos—inevitável litígio sendo só o mais óbvio e imediato deles. A eventual má vontade de uma comunidade de criadores e usuários, outra talvez igualmente óbvia mas não tão imediata. Mas a que realmente me tira do sério é o incentivo à visão de que empresas são construtos do mal e que só o Estado, com a ameaça de seu monopólio da violência, pode proteger as pobres pessoas da ganância dos ricos.

Tenho certeza que a mesma libertária seria a primeira da classe a reclamar da politização jurídica, do excesso de litígio e do controle da economia, diante de situações como essa. E que, afinal de contas, é só deixar as coisas quietas que o mercado as resolve.

Mas será que, quem sabe, talvez, o Judiciário e o litígio não sejam exatamente maneiras de o mercado resolve-las? E que em vez de ficar citando uma das maiores bobagens que o Milton Friedman já falou, talvez fosse o caso de lembrar que para o liberalismo funcionar como previsto é preciso criticar e envergonhar empresas quando essas não se comportam de forma decente, e não achar que tudo que uma empresa faz é correto a priori e qualquer reclamação em contrário é coisa de floco de neve comunista autoritário anti-democrático?

Enfim, de minha parte, fica a torcida para que a Epic não só resolva essas cobranças por via extra-judicial, como já fez no passado, mas oficialize algum programa de parceria para com esses criadores.


Quem tem medo do bit mau?

wow, that internet argument completely changed my fundamental belief system, said no one, ever

(Disclaimer: ainda que terceirizado, atualmente estou prestando meus serviços ao Facebook Brasil. Obviamente, minhas opiniões são minhas, e em nada refletem algum tipo de posicionamento oficial da empresa ou de meu empregador direto, nem se aproveitam de nenhuma informação especial)

Mais um dia, mais um artigo em um grande jornal denunciando a importância das redes sociais no sucesso de um político populista e anti-democrático em algum lugar do mundo.

The domination of Facebook by Italy’s two populist political leaders, Matteo Salvini and Luigi Di Maio, is revealed in previously unseen data that shows how they exploited video and live broadcasts to bypass the mainstream media and foment discord during the country’s general election.

E segue minha dúvida: será que não ocorre a UM jornalista sequer perguntar aos pobres bons políticos vítimas desse admirável mundo novo das redes sociais por que, diabos, eles não usam melhor essas redes? Afinal de contas, mesmo que queiram acreditar em alguma conspiração sobre tecnologias feitas para aumentar a desigualdade no mundo etc, via de regra os tais bons políticos são os de bolsos mais fundos e com apoio daquele tal do establishment.

Claro, minha esperança seria que, ao pelo menos cogitar fazer essa pergunta e pensar em todas as potenciais respostas, eles talvez se dessem conta que o engajamento dos populistas talvez tenha menos a ver com tecnologias e redes sociais, e mais a ver com os anseios das pessoas em geral. Mas ao menos constranger um Geraldo Alckmin ou Fernando Haddad a ter que explicar a incompetência de sua campanha já haveria de ser um bom – ou divertido – começo.


Steam in a Game

If you’re interested in understanding Valve, and, how, in turn, this led them to make Artifact the way they did, you need to look at the history and, in particular, its knack for finding novel ways to make money. Valve—which is not publicly traded, maintains one of the smallest workforces of any firm of its prestige, and is thought to have the highest profit per employee of any American company—is not like other game companies, and operates according to a different, but specific, set of principles. That fact makes Valve both fascinating and predictable.

Excelente artigo sobre o design econômico por trás do último jogo da Valve – que, junto com a CCP Games, segue sendo a empresa de jogos mais interessante do mundo. Até fiquei curioso para jogar, quando finalmente trocar meu computador no ano que vem.


Tu só tá ficando velho

Em nota relacionada ao fetiche por distopias:

Our current moment tends to misunderstand the Enlightenment, which challenged a world governed by epistemic dogma, handed down by religion and royalty, that held truth as something frozen, complete, and beyond debate. The Enlightenment was an effort to treat truth as something that wasn’t a given but needed to be worked on, and could be failed at. The experience of the Enlightenment was and remains itself a crisis of reality.

(via Galera)


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