Listas de um futuro esquecido

Uma prática comum dos longínquos anos 90 (quiçá início dos 00) era criar listas. Sobre qualquer coisa. Para qualquer coisa. Pois, por alguma razão, hoje o Facebook foi invadido por um vírus diretamente do passado e muitas pessoas estão compartilhando, em princípio, uma lista com 10 categorias para séries de TV. Com o tempo, alguns amigos/usuários mais rebeldes acabaram por subverter a lógica e aplicar a mesma lista para outros assuntos, alguns dos quais achei interessantes ou relevantes.

Tal fenômeno, em ato que inevitavelmente entrega minha já avançada idade, deixou-me nostálgico. Enquanto pesava os prós e contras da vontade de compartilhar minha lista versus o potencial spam nas timelines alheias, dei-me conta de outra coisa muito característica da época: blogs! Ora, então, por que não juntar o velho ao ultrapassado, e agregar minhas respostas em um POST!? E foi assim que isto foi escrito e, de alguma forma, chegou a você.

Séries:
1) Nunca assisti: The Sopranos
2) Não sinto vontade de assistir de novo: Breaking Bad
3) Ninguém que eu conheça assistiu, mas eu gosto: Stargate Atlantis
4) Última série a que assisti: Elementary
5) Tenho preguiça: Game of Thrones
6) Assistiria tudo de novo: True Detective (S01)
7) Uma série que “mudou minha vida”: The Wire
8) Uma indicação: Justified
9) Tenho vergonha, mas assisto: Hart of Dixie (melhor trilha sonora do mundo)
10) Ainda quero ver: Boardwalk Empire

Música:
1) Nunca ouvi: Justin Bieber (juro)
2) Não sinto vontade de ouvir: Yardbirds
3) Ninguém ouviu, mas eu gosto: Otomo Yoshihide’s New Jazz Ensemble
4) Última música que ouvi: “Marathon”, Heartless Bastards
5) Tenho preguiça: LCD Soundsystem
6) Ouviria de novo: Beatles. sempre. pra sempre.
7) Mudou minha vida: John Denver
8) Uma indicação: Polyphonic Spree
9) Tenho vergonha, mas ouço: My Chemical Romance (na verdade, não tenho, mas é o espírito da pergunta)
10) Ainda quero ouvir: Claypool Lennon Delirium

Carros:
1) Nunca dirigi: Fusca
2) Não sinto vontade de dirigir de novo: Palio Weekend 6 marchas
3) Ninguém que eu conheça teve um, mas eu gosto: Nissan Cube
4) Último que eu vi na rua: Chery QQ
5) Tenho preguiça: Range Rover Evoque
6) Compraria outro: VW Golf
7) “Mudou minha vida”: Gurgel Carajás
8) Uma indicação: Honda Fit, sempre
9) Tenho vergonha, mas gosto: Hummer
10) Ainda quero ter um: BMW M3

Games (minha contribuição de tema):
1) Nunca joguei: Grand Theft Auto
2) Não sinto vontade de jogar de novo: Fallout 3
3) Ninguém que eu conheça jogou, mas eu gosto: Arx Fatalis
4) Último que jogou: Spelunky
5) Tenho preguiça: Counter-Strike
6) Jogaria de novo: Montezuma’s Revenge
7) “Mudou minha vida”: Indiana Jones and the Fate of Atlantis
8) Uma indicação: Gone Home
9) Tenho vergonha, mas gosto: Myst
10) Ainda quero jogar: League of Legends

HQs (também não vi ninguém mais fazer):
1) Nunca li: 300
2) Não sinto vontade de ler de novo: “Retalhos”, do Craig Thompson
3) Ninguém que eu conheça leu, mas eu gosto: “Wizzywig”, do Ed Piskor
4) Último que leu: Rat Queens, vol. 2
5) Tenho preguiça: Sin City
6) Compraria outro: “Jerusalem”, do Guy Delisle
7) “Mudou minha vida”: Calvin & Hobbes
8) Uma indicação: “Black Hole”, do Charles Burns
9) Tenho vergonha, mas gosto: “Notas sobre Gaza”, do Joe Sacco
10) Ainda quero ler: Sandman


Como o Super Bowl só me deixou com mais sede de NBA

Durante o Super Bowl, neste domingo, uma estatística me chamou atenção: em todas as vezes que a melhor defesa encontrou o melhor ataque no último jogo do ano, só perdeu uma vez. Não por acaso, foi um dos meus jogos preferidos da vida. Mas, de fato, defesas ganham campeonatos na NFL.

Minha primeira reação depois da partida – e não totalmente egoísta visto que parece bastante claro que o público em geral odeia partidas dominadas por defesa tanto quanto eu – foi pensar no que a NFL poderia fazer para mudar as regras e dar um pouco mais de poder para os ataques. Considerando que a liga vem batendo recorde atrás de recorde de audiência, porém, imagino que não é algo com que vão se preocupar tão cedo. E foi daí que eu me peguei pensando por que, afinal de contas, eu gosto tanto de basquete – ou da NBA, mais especificamente.

Broncos e Panthers não se enfrentaram nenhuma vez durante a temporada. É claro que ambos tiveram tempo para se estudar, mas não é preciso jamais ter jogado algum esporte coletivo pra imaginar que ver filmes e analisar jogadas e estratégias é diferente de entrar em campo e efetivamente encarar outro time. E se por um lado, o Broncos encarou um número razoável de ótimos ataques durante a temporada – Packers, Patriots, Steelers, Bengals -, o Panthers jogou em uma conferência extremamente ofensiva onde a melhor defesa – o Seahawks – demorou metade da temporada para engrenar. Na verdade, em uma liga que dá tanto valor para quarterbacks e wide receivers, não é estranho o fato de que existem muito mais times com ataques entre bons e excelentes do que com defesas fora de série.

O que se viu, no fim, foi um Panthers que claramente não estava preparado para o trator defensivo do time de Denver. Cam Newton foi pressionado em 42.9% de suas jogadas, o máximo em toda sua carreira. Resultado: sete sacks (recorde em um Super Bowl), 3-de-15 conversões de terceiro down, quatro fumbles e uma interceptação.

Mas e o que a NBA tem a ver com isso? Acontece que apesar disso tudo, o time de Charlotte conseguiu avançar um total de 315 jardas no jogo – bem mais que as 194 que permitiram ao Broncos. O que me faz crer que, se em vez de apenas um jogo, a final da NFL fosse resolvida em uma melhor de 3, ou quem sabe de 5 partidas, o Panthers poderia acabar encontrando respostas para lidar com Von Miller e companhia. O que, por sua vez, teria obrigado o Broncos a fazer novos ajustes e lidar com essas mudanças, e assim por diante. E em última análise, é esse jogo de xadrez que realmente me atrai num esporte.

Pois o que para muitos é a fraqueza do basquete – o grande número de pontos e de partidas ao longo de uma temporada – acaba sendo, para mim, seu grande atrativo. Primeiro que, no caso da NBA, nenhum time chega aos playoffs sem ter jogado contra qualquer outro time na liga pelo menos duas vezes. Além disso, a grande quantidade de pontos e trocas de posse significa que essa dinâmica de mudanças de estratégia para lidar com uma determinada realidade momentânea do jogo acontece várias vezes durante uma partida. Quando a temporada termina, todos os times que chegam aos playoffs tiveram um claro desenvolvimento ao longo de 82 partidas. Tiveram que criar diferentes estratégias defensivas para lidar com determinados jogadores, tiveram que mudar rotações por causa de lesões e assim por diante.

Como o máximo de jogos contra um determinado time é de 4 (menos de 5% do total), porém, nem sempre terá valido a pena buscar estratégias mais específicas para um ou outro time que tenha maior sucesso (para usar o exemplo da atual temporada, o Spurs está mais preocupado em desenvolver o time para ganhar o maior número possível de partidas do que, especificamente, conseguir ganhar algum jogo contra o Warriors). Podem ter preferido não cansar demais um ou outro jogador, mesmo que significasse perder uma partida específica, e assim por diante. E aí está o valor dos playoffs.

Se o Spurs pode se dar ao luxo de não se dedicar 100% a vencer o Warriors durante a temporada normal, cada enfrentamento dos playoffs é caso de vida ou morte. E os times passam a estar totalmente focados em aproveitar toda e qualquer brecha do adversário e vice-versa. Algum jogador pode passar a ter a missão exclusiva de marcar e evitar que o melhor jogador do outro time faça pontos, mesmo que isso signifique não ter quase nenhum impacto no ataque. Outro time pode usar seu melhor jogador como isca para abrir a defesa alheia, e jogar de forma muito mais agressiva do que fazia durante a temporada normal. E essas mudanças de dinâmica podem ser enormes de um jogo para o outro.

A final do ano passado foi um ótimo exemplo disso, quando o Warriors resolveu botar Andre Iguodala de novo na rotação principal devido ao seu sucesso em marcar LeBron James e, com isso, destruir o ataque do Cavaliers (o que acabaria lhe rendendo o MVP das finais). Antes disso, o Warriors já tinha sido obrigado a fazer ajustes importantes para lidar com a forma como o Rockets se aproveitou de obrigar Curry a passar mais tempo na defesa e não conseguir entrar no seu ritmo normal de jogo. E assim por diante.

Tudo isso, claro, não quer dizer que eu não goste de futebol americano, muito pelo contrário. Menos ainda que eu não entenda que a maioria das pessoas prefira a imprevisibilidade e emoção de um campeonato definido em uma partida única, e num esporte cujo escore é baixo o suficiente para que eventuais cagadas tenham maior peso no resultado final (ainda que não baixo o suficiente para que a arbitragem seja invariavelmente decisiva, como no futebol inglês). Mas esse Super Bowl quase que excessivamente defensivo acabou me lembrando por que eu gosto tanto do basquete e costumo dizer para vários amigos que o escore final (e a suposta falta de emoção pelo fato de o favorito quase sempre vencer) é quase irrelevante.


Prepare-se para ser assimilado

Primeiro, um golfinho pulou dentro de um pequeno barco e quebrou o pé de uma mulher. Dois dias depois, um esturjão pulou dentro de um barco e matou uma menina de 5 anos. Agora, um idiota resolveu nadar em um riacho cheio de jacarés e imediatamente virou comida.

O que me faz lembrar que o John Jeremiah Sullivan bem avisou.


links da semana (22 a 28/03)

Desde a morte prematura do Google Reader, eu busco um jeito de conseguir compartilhar e registrar os links interessantes pelos quais eu passo ao longo dos dias. Para fins de arquivamento e futura referência eu acredito ter encontrado uma boa solução no Evernote, mas a parte de compartilhar sempre foi um problema.

Na semana passada, porém, em um momento de súbita irritação (maior que o normal) com o Facebook e seu algoritmo de relevância, tive uma ideia: publicar lá todo e qualquer link que eu normalmente mandaria para listas de discussão ou amigos específicos, sem explicação ou coisa que o valha, e ao final da semana reunir tudo em um post aqui no blog. Imagino que isso vá bagunçar ainda mais minha relevância perante o todo-poderoso algoritmo do Mark, o que torna a experiência ainda mais divertida. Assim, sem mais delongas, ao que acabou indo parar na minha timeline ao longo dessa semana:

  • 28/03: Notícias do fronte da nova guerra aérea que se abate sobre o Oriente Médio (Foxtrot Alpha – EN);
  • 28/03: Adult Swim chamou cinco desenhistas para colaborarem em um clipe para uma das excelentes novas músicas do Dan Deacon (YouTube);
  • 28/03: Volvo criou uma tinta reflexiva, para ser passada na bicicleta e/ou roupas do ciclista, e aumentar sua visibilidade para motoristas à noite. Se não custar uma fortuna, comprarei várias (The Verge – EN);
  • 28/03: Proposta de lei, no Arizona, obrigaria médicos a dizer que abortos podem ser “revertidos” (Slate – EN);
  • 27/03: As diferenças entre “planejamento” e “estratégia”. Leitura obrigatória para quem se interessa por marketing e negócios. (Russell Davies – EN);
  • 27/03: Ser abusado pelos pais não tem relação com se tornar um pai abusivo (The Verge – EN);
  • 27/03: A maravilhosa lista de atitudes suspeitas que, segundo a TSA, podem merecer um papinho extra com passageiros (The Verge – EN);
  • 27/03: Não há nenhuma espécie de estatística confiável sobre depressão e suicídio entre pilotos de avião, no mundo (538 – EN);
  • 27/03: Cicloativista defende a importância do Ministério Público Estadual em investigar obras de infraestrutura, mas acha que as ciclovias não precisavam. Chocante (Cidade para as Pessoas – BR);
  • 26/03: Estudante do MIT questiona a tese do Thomas Piketty e diz que a concentração de renda, nos EUA, é causada pelo mercado imobiliário e NIMBYs (Economist – EN);
  • 25/03: Em nota diretamente relacionada, estudo indica que o incentivo a criar cidades amplas e sem prédios custa US$ 1 trilhão aos cofres dos EUA. Menos prédio, mais amor e falência, pelo jeito (City Lab – EN);
  • 25/03: Como um acidente mínimo, em Porto Alegre, pode abrir um breve portal para um mundo kafkiano (Medium – EN);
  • 25/03: Finalmente, os dois centavos de Cory Doctorow reclamando de um mundo onde algo como o Clean Reader existe, mas defendendo o direito de qualquer um de usá-lo quando bem entender (Boing Boing – EN).

Tentando organizar um raciocínio

"Evolution", by Congvo, on Flickr. Republished under Creative Commons License by-nc-nd 2.0

Tudo começa com o Russell Davies:

Digital transformation of your organisation is inevitable. Your organisation will either become digital or be replaced.

That means that marketing/comms will have less or none of the budget, influence and power. And that services/product will have more or all of the budget, influence and power.

Como ele diz, é óbvio e inevitável. E explica muita coisa acontecendo na publicidade/marketing mundo afora. Mas para continuar com ele, em um post uns dias mais tarde:

When thinking about large organisations and their relationships to ‘digital’ a couple of concepts from other fields always pop into my head.
(…)
Learned helplessness is the first. (…) The second is wilful blindness, an idea I first came across during the Enron trial, (…) i.e. people seek to avoid knowing the obvious, so they don’t get the blame for it.

Que combina bastante com a verdade #9 que programadores sabem e a maioria das pessoas, não:

Just as you’re usually not impressed when we brag about how much we know about computers, we’re not impressed when you brag about how little you know about them.

E me faz pensar em 90% dos atendimentos de publicidade com que já tive o desprazer de trabalhar. Claro, apesar da prevalência, não é exclusividade deles. Com vocês, um dos maiores redatores que já surgiu nesse país:

A geração atual só se interessa pelos penduricalhos da profissão: campanhas mobile, ações para três gatos pingados assistirem, aplicativos e campanhas bom-mocistas, do tipo “ salvem as baleias”. Só que nada disso movimenta a economia, nada disso nos torna importantes para o anunciante. E quase nada disso é realmente propaganda. São, no máximos, gatilhos deflagradores para ações de P.R.

O que, enfim, me leva ao ponto que realmente me interessa nessa história toda: eu concordo com o diagnóstico, ainda que discorde totalmente do tratamento. Permitam-me, vocês e o Mohallem, me ater a essa parte mais um pouco.

"Advertise your Add", by iaintait, on Flickr. Republished under Creative Commons License by-nc-nd 2.0

Com o fim do SxSW, em Austin, os publicitários começam a virar toda sua atenção para o litoral francês e o festival de Cannes. E a primeira fase desse ciclo anual já começou, com os artigos que explicam por que essa fixação com prêmios é um exemplo da falta de relevância da publicidade atual.

If you’ve ever wondered why people hate advertising awards – it’s because people hate advertising. Let’s not delude ourselves.

Apesar do timing, tanto da publicação quanto dos compartilhamentos nas redes sociais, como dito pelo Russell Davies ali em cima, trata-se do óbvio e inevitável. É o consumidor fazendo o dinheiro e o poder fluirem do marketing para o produto.

Quer dizer que, em vez de ficar reclamando do termo growth hacker — que é meio ridículo, de fato, mas necessário diante da cegueira proposital —, melhor seria entender que tudo descrito nesse post é, ao contrário do que diz o título, o que pode-se chamar de marketing de verdade nos dias de hoje.

Ora, mas eu não disse que concordava com o diagnóstico? Sim, e pra explicar isso apelo pro Russell Davies uma última vez, ao falar das iniciativas da BBC nessa famosa transição:

If you really work at it, you can always make the internet fit the business model you understand.

I’m not saying this to carp. (Except a bit.) I’m saying this because the biggest challenge in Digital Transformation is not in the initial refocusing on a new organising principle, it’s in resisting the steady drift back to the old one.

No próprio post ele cita o caso da W+K com a Old Spice, que essencialmente descobriu um jeito de fazer “anúncios em vídeo na Internet”, do mesmo jeito que a BBC descobriu um jeito de “fazer televisão na Internet”. O que termina a gigantesca tangente do raciocínio e nos traz de volta à publicidade, aos prêmios e ao diagnóstico do Mohallem.

Na minha humilde, enviesada e obviamente irrelevante opinião, o que leva a atual geração a só se interessar pelos penduricalhos é o fato de ouvirem e acreditarem que “o dinheiro saiu do marketing e foi para o produto” mas, diante disso, procurarem formas de aplicar seu modelo de negócio — aquele que faz as coisas pra ganhar prêmios — a isso, e não em como mudar seu modelo de negócio.

"Lilsten Here Buddy", by Darin, on Flickr. Republished under Creative Commons License by-nc-nd 2.0

Qual a diferença? Permitam-me roubar o comentário de um publicitário quanto àquele post falando mal dos prêmios, depois de citar alguns exemplos de ações que o Mohallem provavelmente chamaria de penduricalhos:

Esses trampos foram feitos em prol de uma premiação? Talvez. Mas invariavelmente podem ajudar alguém. Podem até virar uma startup (where the REAL innovation is, segundo o cara do texto).
Citei dois exemplos. Mas existem milhares. E com certeza muitos publicitários conscientes dos seus papeis e tentando hackear o sistema. E alguns outros ainda fazendo isso apenas pelos prêmios.

No início do seu comentário ele diz que “acho engraçado como esse tipo de artigo geralmente é escrito por alguém que não participou do processo de ganhar prêmios. E nem estou falando em ganhar, mas apenas participar do processo.” Assim, em vez de usar os exemplos que ele próprio citou, eu vou usar não só o exemplo de um trabalho do qual participei, mas do qual me orgulho bastante e que ganhou alguns prêmios: Mil Casmurros.

Até algum tempo atrás, eu poderia ter colocado um link para o site original do projeto em vez de um videocase. E aí começa o problema. Além de incentivar pessoas que tinham deixado de consumir televisão a se interessar por e assistir a uma série da Globo, Mil Casmurros também tinha um objetivo secundário de incentivar as pessoas a lerem a obra de Machado de Assis, de preferência sem o ranço dos tempos de colégio. Se esse fosse o objetivo primário do projeto, se a ideia fosse criar um produto e não uma propaganda, será que o site não estaria no ar? Será que não teria evoluido e sido aplicado para outras obras? Talvez sido licenciado para uso por governos, colégios e iniciativas de educação em geral?

Como se tratava de uma campanha publicitária, porém, assim que seu objetivo estava alcançado — os mil trechos foram preenchidos, a série foi um sucesso, o projeto ganhou vários prêmios —, ninguém mais precisava se preocupar com aquilo. Pior, quando alguns anos depois uma agência espanhola inscreveu um projeto semelhante em Cannes em cima de Don Quixote — não consegui encontrar link para o case, se alguém souber, deixe aí nos comentários —, logo vários publicitários vieram comentar da “chupação”, “plágio” etc.

(Importante notar que todos aqueles que fizeram parte de Mil Casmurros com quem conversei acharam ótimo o fato de mais gente ter usado um sistema similar para incentivar a leitura de algum livro. O case dos espanhóis, claro, não levou nem shortlist. Mas a reação normal do meio é de que copiar ideia é anátema, o que é mais um exemplo do quanto a “ideia” é mais importante do que o resultado.)

Tá, e daí? E daí que existe uma diferença muito grande entre fazer algo que “pode ajudar alguém, pode até virar uma startup” se a única obrigação é que esse algo renda um prêmio publicitário. Entre fazer um app que só precisa render um videocase bacana, e um app que efetivamente precise trazer resultados, em que seja preciso melhorar o produto, testar o que funciona e o que não funciona e assim por diante.

Lembram do texto do Mohallem? Outra coisa que ele diz é repetida por quase todo publicitário que conheço, pelo menos em conversas francas sem medo de como o mercado irá interpretá-lo:

O mercado anda chatíssimo e deturpado. (…) Além de muita gente boa que merece ter chegado onde chegou, vejo picaretas se dando muito bem, agências ruins tomando clientes das boas, tem de tudo nesse meio.

Pois, o diagnóstico está corretíssimo. Enquanto a solução continuar sendo querer aplicar os paradigmas antigos ao digital, no entanto, a coisa só vai ficar mais chata e deturpada.

(Todas as fotos tiradas do Flickr e publicadas sob licença Creative Commons by-nc-nd 2.0. O link para o original está nas próprias fotos e o nome dos autores no alt text)


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