Um cinema particular por US$ 200. Quem quer?

Nesse último fim de semana, fiz algo cada vez mais raro: fui ao cinema. A razão era nobre, uma exibição de O Iluminado com o corte original de 142 minutos, ao qual nunca tinha assistido (mesmo em DVD, no Brasil, a versão sempre foi a reduzida para 119 minutos).

Mesmo assistindo a um de meus filmes favoritos, no cinema de um dos shoppings mais caros da cidade, numa sala com poucos ou nenhum adolescente barulhento, ainda foi impossível passar os 142 minutos sem algumas incomodações. Pra começo de conversa, tenho uma incompatibilidade antiga com as cadeiras do Cinemark que em menos de meia hora me fazem querer sentar na escada. É óbvio que alguns celulares tocaram, em algum momento. E em se tratando de um filme razoavelmente silencioso (e uma cópia com som que deixou um pouco a desejar), seguidamente havia interferência das explosões e destruição em Dolby Digital THX da sala ao lado. O que me fez pensar no Oculus Rift, no Samsung Gear VR e tecnologias do tipo.

"Orlovsky and Oculus Rift" by Sergey Galyonkin, on Flickr.

Para os fãs mais ardorosos da “experiência do cinema”, a diferença está na sala escura, na tela enorme e o som envolvente, junto às limitações (não poder dar pause pra ir no banheiro, não poder ficar conversando e comentando o filme, ou enviando considerações por WhatsApp para os amigos) que geram uma situação de total atenção e imersão no conteúdo a que se está assistindo. Em casa, salvo no caso de alguém muito rico e capaz de literalmente criar um home theater, é impossível recriar todas essas condições de forma satisfatória.

Que é onde, me ocorreu, entraria a realidade virtual. Ora, não deve ser muito difícil criar um aplicativo para um Oculus Rift da vida que recrie uma sala de cinema e que “projete”, na sua tela virtual, o filme de um BluRay, Netflix ou fonte semelhante. Quem já teve a oportunidade de usar um desses dispositivos não terá dificuldades em imaginar o quão imersiva e próxima do real seria a experiência, com um dispositivo que custa coisa de US$ 200 e ainda serve para uma série de outras finalidades. E com a vantagem de poder usar a cadeira mais confortável do mundo, simular desde a tela de um cinema independente na Paulista até um IMAX gigantesco, não ficar à mercê da educação ou falta dela das pessoas em volta, e nem correr risco da interferência do som de filmes em salas contíguas.

Tenho certeza que, em algum lugar, alguém já escreveu sobre isso e provavelmente até já criou algum protótipo funcional. Mas fazendo uma breve pesquisa sobre, achei curioso que o que mais encontrei foram matérias sobre o uso da realidade virtual como passo seguinte ao 3D na eterna tentativa de “salvar os cinemas” e criar uma experiência que seja impossível de replicar em casa.

O que não é, imagino, a pior ideia do mundo. Coisas como cinemas com cadeiras que se mexem ou espirram água na tua cara ainda soam meio gimmicky demais, mas pensar no uso de realidade virtual para aumentar a imersão e empatia no caso de documentários ou mesmo filmes é algo incrível. Porém, assim como acontece com filmes realmente em 3D, é necessário o uso de tecnologias muito novas, consequentemente caras, e com as quais ninguém ainda tem muita familiaridade. Ou seja, ainda deve demorar muito tempo até podermos pensar no surgimento do Cidadão Kane da realidade virtual.

Por outro lado, uma “simulação de cinema” que permita a qualquer dono de um sistema de realidade virtual (algo cuja popularização parece estar muito próxima) ter seu próprio cinema particular, replicando algo como 99% da experiência real, me parece algo que seria fantástico e que deveria deixar os donos de sala de cinema bastante preocupados (estamos falando de algo que, a rigor, pode ser conseguido com um celular e um pedaço de papelão, afinal de contas). Posso garantir que eu, pelo menos, adoraria um desses.

(foto: Orlovsky and Oculus Rift, by Sergey Galyonkin, on Flickr. publica sob licença CC BY-SA 2.0)


O tal prazer em voar

A man dreams of flying over a road

Junte os conceitos de aviões com gigantescos painéis digitais no lugar de janelas com essa notícia de dar óculos de realidade virtual para os passageiros, e eu consigo imaginar claramente um mundo onde andar de avião é algo muito mais divertido (e talvez encagaçante pros que têm medo) do que hoje.

P.S.: a imagem que ilustra esse post me fez lembrar do ótimo conto Belief, do Isaac Asimov.


For the sake of auld lang syne

Chegado, enfim, o último dia do ano, eis minha lista de preferidos dos últimos 365 dias. Três caveats: um indicado por categoria, pra facilitar a vida de todos; explicações mínimas ou inexistentes sobre a escolha; as escolhas são de coisas que eu consumi esse ano, não necessariamente que foram lançadas no mesmo. Assim, a eles/elas.

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Filme: Let the Fire Burn

Uma história que é Waco piorada 200 vezes, mostrada em um documentário magistral feito inteiramente com imagens de arquivo. Se alguém estiver interessado em qual a concorrência (leia-se, a quais filmes assisti nesse ano), só conferir aqui.

Série: Justified

A quinta temporada, que foi ao ar nesse ano, só fica boa da metade pro final, depois que os produtores decidiram que a próxima seria a última. Ainda assim, continua sendo a série mais divertida da televisão, atualmente.

Canal de YouTube: Tiranos Temblad

O agregado de vídeos sobre o Uruguai publicados na semana anterior, no YouTube, é absolutamente genial.

Música: “Transgender Dysphoria Blues” – Against Me!

Álbum: “…Like Clockwork!” – Queens of the Stone Age

Lançado ano passado, mas só prestei a atenção devida nesse ano. Que coisa brutal.

HQ: Manhattan Projects

Sim, é o Einstein. E o Feynman. E o presidente em questão é o FDR, que na verdade é a inteligência artificial extremamente maléfica de um computador. E isso nem raspa a proverbial e anglicística superfície.

Livro: The Antidote – Oliver Burkeman

Longform:
The Intelligent Plant“, do Michael Pollan, publicado na New Yorker foi o texto mais surpreendente e incrível que li no ano. Mas preciso roubar um pouco no jogo e dizer que a “defesa da razão na era digital” publicada como parte dos textos de aniversário da New Republic é o que eu sugeriria que todo mundo que não o fez deveria ler.

Jogo: Gone Home

Existe um círculo novo no inferno dedicado exclusivamente pra quem diz que “Gone Home” não é um jogo. Tenham cuidado.

Cerveja: Tsarina Esra


rapper’s delight

Which is of course just to say that this isn’t the OED’s – that bible of educated expectation’s – ‘music’, this weird shit. Its values and foci are different, its precedents un-Anglo. Like the drum machine and scratch, sample and backbeat, the rapper’s ‘song’ is essentially an upper layer in the dense weave of rhythm that, in rap, usurps melody and harmony’s essential functions of identification, call, counterpoint, movement, and progression, the play of woven notes…until ‘rhythm’ comprises the essential definitions of rap itself: dance beats that afford unlimited bodily possibility, married rhythmically to complexly stressed lyrics that assert, both in message and meter, that things now can never be other than what IS.

– David Foster Wallace, Signifying Rappers


a polícia da moralidade absoluta ataca novamente

Estava lendo, com algum atraso, uma entrevista do Philip Roth, e uma parte em especial me chamou a atenção:

The imposition of a cause’s idea of reality on the writer’s idea of reality can only mistakenly be called “reading.” And in the case at hand, it is not necessarily a harmless amusement. In some quarters, “misogynist” is now a word used almost as laxly as was “Communist” by the McCarthyite right in the 1950s — and for very like the same purpose.

É o tipo de reação típico de ativistas afundados na falácia do falso dilema, pra roubar outra citação de um excelente (e enorme) texto, “tão anti-social e injusta que só poderia vir de algum movimento de justiça social”.

Pois algumas horas depois, dou de cara com essa defesa da sempre excelente Camila von Holdefer de acusações de machismo velado ao defender uma coletânea literária onde, aparentemente, as mulheres estão subrepresentadas.

Piadas à parte, tanta desonestidade pode chocar quem aprendeu a argumentar com mais cautela. Quem é Juliana Cunha para me dizer o que eu sou e o que eu quero ser e o que eu posso ser? Como uma pessoa que pretende debater com certa seriedade pode apontar, julgar e condenar de forma tão descuidada, precipitada e (especialmente) arrogante? Como uma argumentação medíocre e traiçoeira pode ter qualquer apoio?

Qualquer semelhança, imagino, é mera coincidência.


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