Qualquer pessoa com um mínimo de contato com o futebol sabe que não só o jogo, mas a grande maioria de seus fãs é extremamente conservadora e refratária a qualquer mudança nas regras ou forma como ele é jogado. Sugira qualquer mudança, como disputar os pênaltis antes da prorrogação, e imediatamente surgirão gritos de “vão estragar o futebol” ou coisa semelhante.
Obviamente, desde o surgimento da International Board e, depois, da FIFA, as regras tiveram certas mudanças. A que ainda está na lembrança de quase todo mundo, creio, é a que proíbe que os jogadores de linha recuem a bola para o goleiro ou que esse passe mais do que 6 segundos segurando a mesma. Outras, como o impedimento, são tão antigas que quase ninguém consegue cogitar o jogo sem ela.
Mas pensando no quanto mudanças nas regras para adaptar um jogo à evolução tática e física de seus jogadores é algo tão usual em quase qualquer outra prática esportiva (diabos, até no xadrez se discute mudanças de regra sem necessidade de histeria), a natural resistência humana a mudanças nunca me pareceu razão suficiente para explicar o fenômeno. Lendo uma antiga matéria do NY Times sobre uma escaramuça da FIFA com a então liga profissional de futebol dos EUA (a NASL), porém, ocorreu-me uma hipótese.
The ultimatum to abandon the 35-yard line for offside and the use of three substitutions, two rules distinctly American, was issued by F.I.F.A., the governing body, to the league through the United States Soccer Federation, the nation’s governing body, about a month ago.
Isso foi em 1981. Hoje, sabemos, as três substituições são o padrão mundial determinado pela mesma FIFA e a International Board. Ou seja, parece que a regra ou suas eventuais consequências não eram algo muito absurdo. Mas o que mais me interessou foi o nível das ameaças feitas à NASL caso não se adequasse às determinações internacionais:
No teams from overseas could come to the United States to play N.A.S.L. teams and no teams from the league could go abroad, except to a country that is not a F.I.F.A. member, such as South Africa.
Players coming to N.A.S.L. teams would be forbidden to play elsewhere.
Players in the N.A.S.L. would not be allowed to play for a national team of their country.
Considerando que a FIFA é, essencialmente, um monopólio supranacional, o resultado prático disso seria fazer com que ninguém que pretendesse seguir uma carreira no futebol cogitasse jogar para a liga em questão.
Agora, se as regras em questão não só não mudavam tanto o jogo como uma delas acabou sendo oficializada pela própria FIFA alguns anos depois (não consegui descobrir a data exata, mas acredito que foi ainda nos anos 80), qual a necessidade de aplicar tamanha força para proibir uma liga nacional de fazer tais experimentos? Ainda mais deixando de lado as mudanças mais radicais como os “shootouts” ou o sistema de pontuação?
Tenho certeza que o basquete não é único, mas a relação FIBA/NBA vem imediatamente à cabeça. Embora tenham diminuido nos últimos anos, ainda há diferenças sensíveis entre as regras de ambas, mas ninguém cogitaria dizer que alguma delas não joga basquete. Mais que isso, nenhuma ameaça impedir que seus jogadores possam jogar em ligas com regras da outra, ou que não possam levar partidas de exibição para outros países, ou que os jogadores da NBA não possam jogar pelas seleções de seus países em competições da FIBA.
Ou seja, mais uma vez, a defesa da pureza do esporte é obviamente balela. Pelo contrário, com o tempo o basquete das duas tem se tornado cada vez mais parecido e divertido – para a grande maioria dos fãs, pelo menos. Quem tem a ganhar com esse conservadorismo forçado a duras penas sobre o futebol? Talvez não o esporte que tantos amam, mas a corrupta e bilionária federação que tem um monopólio sobre o maior esporte do mundo a ponto de forçar países a mudar suas leis para receber a Copa do Mundo?