Como pensar mais sobre sexo, de Alain de Botton

como falar mais de sexo

Eu nunca levei o Alain de Botton muito a sério, e a coisa só piorou depois que ele escreveu um manifesto para ateus e começou a defender a ideia de criar templos ao ateísmo. Assim, era de se imaginar que um livro escrito por ele como parte de sua iniciativa pela criação de uma escola de auto-ajuda moderna não poderia ser boa coisa. E de fato, não é.

Na verdade, algumas das conclusões ou percepções dele são interessantes – especialmente a primeira metade do livro, sobre o desejo sexual de forma mais ampla.

Em um mundo onde abunda o falso entusiasmo, no qual é normalmente difícil saber se uma pessoa realmente gosta da gente ou só está sendo gentil por sentir-se obrigada, a vagina molhada e o pênis duro funcionam como agentes de sinceridade sem nenhuma ambiguididade.

Mas as racionalizações que ele utiliza para supostamente explicá-las são lamentáveis. Duas partes, em especial, me causaram profundo cansaço e irritação. Primeiro, a sugestão de que todo casal deveria receber uma espécie de “bolsa-terapia” do governo.

Num mundo perfeito, todos os casais seriam visitados semanalmente por um psicoterapeuta, sem ter sequer que se candidatar ao serviço. A sessão seria apenas parte regular de uma vida boa e ordinária, como é o jantar da sexta-feira para os judeus, e ofereceria alguma forma da mesma função catártica que esse ritual.

A ideia é que tal terapeuta permitisse ao casal discutir livremente todas as pequenas picuinhas e rotinas que acabam minando um relacionamento, e sobre as quais muitas vezes nem se dão conta. Um diagnóstico que me parece razoável; uma solução, no mínimo, discutível.

Mais adiante, porém, vem a cereja no bolo. Aparentemente, a pornografia está acabando com todo o mistério e a graça do sexo, tornando os homens – stricto sensu – indiferentes ao poder desse desejo tão primitivo. E não estamos fisicamente preparados para lidar com tanta abundância de gratificação sexual, o que nos leva a não só ficarmos indiferentes ao sexo “de verdade”, como a deixar de lado todos os aspectos produtivos da vida em nome de nos masturbarmos à exaustão enquanto procuramos “slutty teenagers” no Tumblr.

Porém, esse não é um veneno fácil de se resistir. Uma aliança improvável e inconsciente entre Cisco, Dell, Oracle e Microsoft de um lado, e milhares de provedores de conteúdo pornográfico do outro, tem explorado uma falha de design do gênero masculino. Uma mente originalmente desenhada para lidar com pouco mais tentação sexual do que a ocasional visão de uma mulher tribal pela savana, fica impotente quando bombardeada por convites contínuos para participar de cenários eróticos que excedem, em muito, qualquer um sonhado pela mente doentia do Marquês de Sade.

E se nesse caso o diagnóstico já parece lamentável, a solução é a pior possível.

Sem, obviamente, ceder todas as nossas liberdades para uma autoridade arbitrária e tirânica, ainda assim podemos, em alguns casos e contextos, estar dispostos a aceitar um limite teórico a alguns de nossos direitos, nem que seja pelo bem de nosso bem estar e capacidade de crescimento. Em momentos de lucidez, deveríamos ser capazes de ver por nós mesmos que liberdade sem controle pode paradoxalmente nos prender, e que – quando se trata de pornografia na internet, por exemplo – podemos estar nos fazendo um favor se consentirmos de boa vontade em ceder nossos privilégios a uma entidade supervisora benigna.

Sim, ele está sugerindo uma censura benigna contra o incontrolável perigo ao futuro do homem (e, aparentemente, esse é um mal que só afeta os homens) que é a pornografia na internet. Foi nessa parte que larguei o livro por mais de uma semana, só voltando a ele por faltarem menos de 30 ou 40 páginas para o fim.

Passado o horror do capítulo sobre pornografia e censura, vem um último e um pouco mais interessante capítulo sobre a noção burguesa do romance e como poderíamos reconciliar a visão moderna do amor e do casamento com os impulsos adúlteros quase incontroláveis e inevitáveis do ser humano. Novamente, um diagnóstico interessante com uma solução digna de ranger de dentes – o segredo é fazermos votos pessimistas no casamento, sabendo que iremos nos desapontar, querer matar nossos cônjuges e pular a cerca em vários momentos e, caso isso aconteça, não haverá supresa.

Ainda assim, valeu por mais uma que outra boa passagem perdida em meio ao monte de asneiras, como essa que encerra o post, sobre a bobagem de querermos ser autênticos e “vestir nossos sentimentos na manga”, sem esconder nada do que sentimos dos outros.

É dar um peso muito grande aos nossos sentimentos querer que eles sejam a bússola que deve guiar todos os grandes projetos das nossas vidas. Somos proposições químicas caóticas, em desesperada busca por princípios básicos aos quais possamos aderir durante nossos rápidos momentos racionais. Deveríamos nos sentir gratos e protegidos pelo conhecimento de que nossas circunstâncias externas são tão comumente desalinhadas com aquilo que sentimos; é um sinal de que provavelmente estamos no caminho certo.

Quando não está se levando muito a sério, ele até que é um escritor divertido.

Caveat: apesar do link para a edição em português do livro, a tradução das citações é minha, visto que li o livro em inglês. Ou seja, não culpem o tradutor oficial por eventuais barbeiragens.

posted: 13 August 27
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